quinta-feira, 8 de março de 2012

Carta de Rosa Luxemburgo

Carta de Rosa Luxemburgo, uma incansável guerreira de direitos, que escreveu em 1917, enquanto era prisioneira na Polônia.

Sempre me emociono com esse texto. Infelizmente a guerra que Rosa retrata esta longe de acabar, mesmo sendo teoricamente dada por finalizada! Meu espanto é que mesmo sendo uma mulher nascida em uma época dificil e mesmo tendo sido maltratada pela história, ainda é CAPAZ de se comover e lutar pela vida, com esperança e legitimidade de quem sofre as mesmas dores e pesares daqueles que defende!


Vou torcer para que estas palavras cheguem em vocês com a mesma força que chegou em mim!



Breslau, Polônia, antes de 24 de dezembro de 1917.

"Ah! Sonitchka, passei aqui por uma dor violenta. No pátio onde passeio chegam muitas vezes carroças do exército, abarrotadas de sacos ou túnicas velhas e camisas de soldados, muitas vezes manchadas de sangue...; são descarregadas, distribuídas pelas celas, consertadas, novamente postas nas carroças para serem entregues ao exército.

Outro dia, chegou uma dessas carroças, puxada não por cavalos, mas por búfalos. Era a primeira vez que via esses animais de perto. São mais fortes e maiores que os nossos bois, têm a cabeça chata, chifres curvos e baixos, e uma cabeça totalmente negra, de grandes olhos meigos, que lembra a dos nossos carneiros. Vêm da Romênia, são um troféu de guerra... os soldados que conduziam a carroça diziam ser muito difícil capturar esses animais selvagens, e ainda mais difícil utilizá-los para carregar fardos, pois estavam acostumados à liberdade.

Foram terrivelmente maltratados até compreenderem que perderam a guerra e que também para eles vale a expressão “vae victis” [ai dos vencidos]... Só em Breslau deve haver uma centena desses animais; acostumados que estavam às ricas pastagens da Romênia recebem ali uma ração parca, miserável. Trabalham sem descanso puxando todo tipo de carga e com isso não demoram a morrer.

Há alguns dias então uma dessas carroças cheia de sacos entrou no pátio. A carga era tão alta que os búfalos não conseguiam transpor a soleira do portão. O soldado que os acompanhava, um tipo brutal, pôs-se a bater-lhes de tal maneira com o grosso cabo do chicote que a vigia da prisão, indignada, perguntou-lhe se não tinha pena dos animais. “Ninguém tem pena de nós, homens”, respondeu com um sorriso mau e pôs-se a bater ainda com mais força... Os animais deram finalmente um puxão e conseguiram transpor o obstáculo, mas um deles sangrava...

Sonitchka, a pele do búfalo é proverbialmente espessa e resistente, e ela foi dilacerada. Durante o descarregamento, os animais permaneciam imóveis, esgotados, e um deles, o que sangrava, olhava em frente e tinha, na cara escura e nos olhos negros e meigos, uma expressão de uma criança em prantos. Era exatamente a expressão de uma criança que foi severamente punida e que não sabe por qual motivo, por que, não sabe como escapar ao sofrimento e a essa força brutal...

Eu estava diante dele, o animal me olhava, as lágrimas saltaram-me dos olhos – eram as suas lágrimas. Ninguém pode sofrer mais por um irmão querido do que eu sofri na minha impotência com essa dor silenciosa. Como estavam longe, perdidas, inacessíveis, as pastagens da Romênia, essas pastagens verdes suculentas e livres! Como tudo lá era diferente, o brilho do Sol, o sopro do vento, como eram diferentes os belos cantos dos pássaros ou o melodioso chamado do pastor.

E aqui – esta cidade estrangeira, horrível, o estábulo sombrio, o feno mofado, repugnante, misturado com a palha apodrecida, os homens desconhecidos, assustadores, e – as pancadas, o sangue que corre da ferida aberta... Oh! meu pobre búfalo, meu pobre irmão querido, aqui estamos os dois tão impotentes e mudos, mas somos só um na dor, na impotência, na saudade.

Entretanto os prisioneiros agitavam-se em volta do carro, descarregavam os pesados sacos e arrastavam-nos para dentro; já o soldado enfiara as mãos nos bolsos das calças e percorrendo o pátio com grandes passos, ria e assobiava baixinho uma canção da moda.

Diante de mim a guerra desfilava em todo o seu esplendor.

Escreva logo.

Abraços, Sonitchka,

Sua R

Sonitchka, querida, fique calma e alegre apesar de tudo. Assim é a vida. É preciso tomá-la corajosamente, sem medo, sorrindo – apesar de tudo. Feliz Natal!"













Nenhum comentário:

Postar um comentário