quarta-feira, 16 de março de 2011

Proteção Jurídica dos animais: Da teoria à Prática

Karla Ataide

A norma penal do art. 32 da Lei 9.605/98, tipifica que, quem praticar atos de abuso, maus tratos; ferir ou mutilar animal silvestre, doméstico ou domesticado, nativo ou exótico, incorre em crime ambiental. Tal norma é inspirada na própria Constituição Federal, no seu art. 225, § 1°, inciso VII, que incube ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as praticas que coloquem em risco a sua função ecológica, provoque a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade”. Vale ressaltar, que o Brasil é um dos poucos países do mundo a vedar, no próprio texto constitucional, a pratica de crueldade para com os animais. Daí o sentido de trazer a tona, referida discussão, visto que tem havido uma enorme representação de questões envolvendo animais nos Tribunais Brasileiros, e não só por isso, também pela necessidade de consideração desses seres no seu aspecto subjetivo do direito a vida, de forma a revelar e coibir o massacre sofrido pelos animais e imposto pelo ser humano.

Apesar de todo repertório legislativo que proíbe a crueldade e maus tratos a animais, na pratica se vê o contrário. O Brasil ainda pode ser chamado o país da exploração animal, onde ainda se enxerga animais até o limite de suas forças puxando carroças; cães e gatos morrendo à mingua abandonados nas ruas ou “eutanásiados” em CCZ’s; rinhas, onde aprecia-se os extremos da violência com animais; animais selvagens “humanizados” através de métodos de tortura para os espetáculos circenses; manifestações culturais, onde a tradição está em submeter animais a violência e humilhações até a morte; e assim por diante, sem esquecer daqueles animais submetidos aos maus tratos da criação industrial e as agruras dos matadouros. Esses são só alguns exemplos escabrosos da exploração animal e da insensatez humana, visto que todas as ações humanas são pautadas no uso de algum animal, considerando o uso de animais em quase todas as atividades humanas.

No Brasil, já temos um bom aparato legal para criminalizar condutas lesivas à integridade física, psicológica e ambiental dos animais, visto que os argumentos que os elevam ao status de sujeitos de direitos alcançam cada vez mais pessoas, e hoje visualizamos em todo o país o movimento pelos Direitos dos animais crescendo, e tomando forma de movimento social.

Quanto à prática de maus tratos aos animais, podemos considerar que o ordenamento jurídico brasileiro é mais que suficiente para a protege-los, consagrando no texto constitucional essa proteção, oferecendo inclusive o status de crime para algumas condutas humanas tipificadas pela lei de Crimes Ambientais (Lei nº9.605/05). Contudo, apesar da norma protetora existir, essa proteção esta longe de ser posta em prática, visto que o animal não tem valor intrínseco, mas sim um valor finalistico, associado ao uso econômico ou recreativo que lhe é dado.

Em contrapartida à Constituição Federal, que protege o animal da crueldade, existem leis ordinárias que respaldam comportamentos cruéis, como por exemplo, a Lei do Abate Humanitário, a Lei da Vivissecção, Lei dos Zoológicos, Código de caça e pesca, Lei de Jugulação Cruenta e a Lei dos Rodeios (etc). Tais diplomas normativos sobreviventes ao sistema jurídico constitucional brasileiro, se justificam junto a economia e cultura impregnada por ideologias antropocêntricas, que acaba legitimando a exploração animal.

Não se pode negar que a existência do animal não humano com interferência humana é indiscutivelmente miserável, sua vida é condicionada às necessidades humanas e o seu uso ainda é muito justificado por antigas teorias, como a de René Descartes (Discurso do Método e Regras para a direção do Espírito – P. .47/ 1596-1650), que do “alto” de sua antropocêntrica tese mecanicista acerca da natureza animal, afirma que o mesmo não é dotado de mente ou psique, e que embora dotados de sentido práticos, são insensíveis à dor, incapazes de pensamentos ou consciência de si. Contudo, não é preciso ir tão longe para provar que tal pensamento já não tem qualquer fundamento, seja no âmbito do senso comum prático ou no âmbito cientifico. Porém, ainda há quem implante a exploração dos animais não humanos em justificativas tão ultrapassadas quanto a referida.

 Tal atitude humana também é justificada pela cultura antropocêntrica, outrora pelos hábitos ou até mesmo pela “necessidade”. Todavia, a própria experiência humana, mostra que a conduta de exploração animal, pode ser mudada e transformada para uma cultura abolicionista, com tendência biocêntrica, na qual, não será mais o homem o centro da natureza, mas a própria vida. À exemplo, vislumbra-se o crescente aumento do número de pessoas que se dizem abolicionistas, defensoras dos direitos dos animais e da vida, e que assim, mudam radicalmente seu hábitos alimentares, tornando-se veganas, abolindo o uso de produtos que foram feitos de partes ou testados em animais, boicotando ambientes que utilizam animais para o entretenimento, como circos, rodeios e zoológicos, dentre tantas outras atitudes, que tem o conluio de mudar a maneira especista, com que os animais são vistos. Além de provar que a “necessidade”, também não é capaz de justificar a exploração e morte de animais.

É crescente o numero de ações envolvendo animais nos tribunais brasileiros, pois uma parcela da sociedade brasileira tende a assumir uma postura ética em relação aos animais, exigindo a punição de crimes cometidos contra animais ou exigindo das autoridades, o amparo dos animais tutelados pelo Estados. Essa postura tem crescido devido ao aumento do numero de entidades de direito e proteção animal, que num âmbito geral podem atuar em várias frentes, seja através da conscientização, do amparo direto dos animais vitimados, seja promovendo ações coletivas para resguardar o animal e etc. rias frentes, conscientizando a populaçnto do numero de entidades de direito e proteçs tutelados pelo Estados. Tais

Apesar da existência de diplomas legais, bastante elucidativos existe muita dificuldade para a tutela animal na legislação brasileira, sendo que as maiores dificuldades são duas. Uma reside no campo cultural e outra no campo jurídico. Dai o abismo jurídico entre a teoria e a pratica.

A primeira dificuldade é pautada no raciocínio arraigado na consciência popular e outrora cientifica, de que o animal é um bem, público ou privado, submetido às vontades e “necessidades” humanas e que não são considerados no seu aspecto individual, psicológico e biológico, simplesmente porque não tem. Além do mais, o ser humano, como sendo o ápice evolutivo, com raciocínio e sentimentos, teria o direito de usá-los ao seu bel prazer, na realização de seus desejos e empreendimentos. Porém, ainda que o argumento da “superioridade” não seja suficiente para justificar completamente a exploração animal, há quem lance mão de outros argumento, no caso, a suposta “necessidade” humana de uso dos animais, afirmando que o uso de animais é necessário para a sobrevivência humana, seja no aspecto alimentar, acadêmico/ cientifico e cultural.

Em ambos os casos, tais justificativas são falaciosas e ausentes de qualquer lógica e racionalidade, pois cientificamente pode-se comprovar a desnecessidade da ingestão de proteína animal por seres humanos, além do que o uso de animais em pesquisas acadêmicas pode ser perfeitamente substituído por métodos alternativos, além do que verifica-se de certa forma um concesso entre as pessoas, que o fato de usar animais para o entretenimento é completamente desnecessário e anti-ético.

A segunda dificuldade, ainda é defendida como argumento jurídico, sendo a de que os direitos só podem ser aplicados à pessoas, ou seja, somente as pessoas físicas ou jurídicas podem ser tuteladas como sujeitos de direitos. Assim, é a natureza jurídica dos animais que constitui um obstáculo para a consideração dos mesmos na sua dimensão subjetiva, como sujeito com valores inerentes de sua existência. Porém, o Direito é determinado por valores morais humanos concomitados com os fatos sociais. Assim, é inegável que a vida é um valor e bem genérico, inato e inerente a tudo que vive, fazendo parte do Direito Subjetivo de todos os seres viventes e não apenas da espécie animal humana, pois não é um valor ou bem exclusivamente humano.

Sendo assim, é de extrema importância para a Ética e Moral humanas, fazer-se estender o respeito à Vida também aos animais não humanos, detentores desse valor.

Ora, fazendo uma comparação com a espécie humana, vemos que um embrião ou um bebê humano, antes do registro civil, tecnicamente ainda não serão considerados como pessoa no mundo jurídico, porém do ponto de vista cientifico e ético é obvio que já são pessoas, com direitos inerentes à sua existência. Porém, um simples conflito aparente de normas ou uma confusão teórica não poderão mudar a realidade dos fatos da vida, que, muitas vezes, por sua complexidade acaba sendo incompatível e impraticável com a maneira radical e positivista de aplicação das leis.

Assim, fica evidente a necessidade de elucidar à legislação brasileira a tendência mundial de abolicionismo animal, não só na concepção doutrinária jurídica, mas na ciência e ética universal. Porém, apesar do ordenamento jurídico não abranger o animal como sujeito, ele criou leis para sua proteção, explicitando que apesar de os animais não serem sujeitos de Direitos, eles poderão receber a proteção jurídica, que por ventura é a base de sustentação do Direito à vida.

Assim, a lei penal que criminalizou maus tratos aos animais, supriu um anseio social e desponta no ordenamento jurídico brasileiro, a necessidade de tutela de um novo e fundamental direito, o Direito dos animais, que tende a proteger os animais não humanos considerando seu valor intrínseco e não apenas protege-los de maneira subordinada às necessidades humanas. Inclusive já podemos visualizar varias decisões judiciais nesse sentido.

Contudo, a pratica de crueldade contra os animais, seja nos matadouros e fazendas de criações, em laboratórios científicos, nos Centros de Controle Zoonoses, nos Circos, Rodeios e Zoológicos, acaba sendo institucionalizada e respaldada ainda pela arraigada “necessidade” humana, que recebeu contraditoriamente com a Constituição Federal o respaldo de leis ordinárias, pois se de um lado a tutela penal dos animais, tem amparo Constitucional, por outro lado a crueldade é institucionalizada pelas leis ordinárias, que fazem o caminho inverso.

E eis que surge o papel dos Ativistas dos Direitos Animais, que deve fixar-se em buscar novas concepções éticas de consideração do animal no seu aspecto subjetivo, usando de instrumento jurídico a norma suprema, que ao meu ver é suficientemente capaz de resguardar e proteger os Direitos dos animais não humanos.

Partindo desse pressuposto se pode afirmar que surge então uma certa mudança no antigo paradigma cultural e social que coloca o homem como centro do universo, e os demais seres vivos como propriedade do ser humano, sendo possível verificar-se hoje uma tendência ao biocentrismo, cujo centro não seria mais o ser humano, mas a vida.

Assim, negar um Direito inerente ao seu Sujeito não é suficiente para o anular, pois mesmo que nossas relações jurídicas e humanas exclua o sujeito, coisificando-o e afastando do seu direito ou mesmo se recuse ao simples debate acerca desse direito, estes Direitos jamais deixaram de Ser. E cabe a nós ATIVISTAS ABOLICIONISTAS DOS DIREITOS DOS ANIMAIS, debater e lutar incansavelmente por aqueles que não podem defender-se.

 
REFERÊNCIAS:

 CUSTÓDIO, Helita Barreira. Crueldade contra animais e proteção destes como relevante questão jurídico-ambiental e constitucional. Revista de Direito Ambiental, 7, São Paulo, RT, julho-setembro de 1997.

PRADO, Luiz Regis. Crimes contra o ambiente. São Paulo, RT, 1998.

SANTOS, Celeste Leite dos Santos. Crimes contra o Meio Ambiente. 3ª Ed. Ver. E ampl. – São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

DIAS, Edna Cardoso. Os animais como sujeitos de Direito. In: SANTANA, Heron José (Org.) Revista Brasileira de Direito Animal. n° 1 . Salvador: Instituto Abolicionista Animal, 2006. p. 119-121.

LEVAI, Laerte Fernando. Crueldade Consentida: Critica à Razão Antropocêntrica. In: SANTANA, Heron José (Org.) Revista Brasileira de Direito Animal. n° 1 . Salvador: Instituto Abolicionista Animal, 2006. p. 171-190.

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